Valterci Santos/ Arquivo/Gazeta do Povo

TJ diz que prerrogativa de foro é válida nas ações de improbidade.
Decisão que beneficia um deputado estadual abre brechas para governantes questionarem condenações. Situação causa insegurança jurídica
Publicado em 21/05/2012 | KARLOS KOHLBACH
A decisão do tribunal paranaense levanta uma discussão jurídica que ainda não foi dirimida nos tribunais superiores. A prerrogativa de foro para políticos, previsto no Código Penal Brasileiro, também se aplica às ações cíveis, em especial as de improbidade administrativa? Há decisões judiciais nos dois sentidos. Dentro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), há um entendimento de que o privilégio do foro se aplica também em ações cíveis. No Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, os ministros afastam a prerrogativa em ações de improbidade administrativa.
Primeira instância
Cheida foi condenado por desapropriação
O deputado estadual Luiz Eduardo Cheida (PMDB) foi condenado por ato de improbidade administrativa quando era prefeito de Londrina, em 1994. A Justiça condenou Cheida por ele baixar um decreto para desapropriar um terreno do Iate Clube de Londrina, contrariando uma decisão do Poder Judiciário.
Cheida foi condenado a devolver R$ 569,2 mil aos cofres da prefeitura de Londrina – valor pago pela administração para o Iate Clube à título de desapropriação. A sentença também determinou a suspensão de seus direitos políticos por seis anos, a perda do cargo depois de transitar e julgar a ação e a proibição de contratar com o poder público por cinco anos.
O deputado recorreu ao Tribunal de Justiça em 2010, alegando que já havia prescrito o suposto ato de improbidade. O pedido será julgado pelo Órgão Especial do tribunal. (KK)
Tira-dúvidas
Entenda um pouco mais sobre o que está em jogo:
Lei de improbidade administrativa
Aplicação
Quando há qualquer ilícito administrativo que atenta contra os princípios constitucionais da administração publica que podem ou não causar enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário.
Prescrição
Até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
Foro privilegiado
Quem tem?
Presidente e vice, deputados federais e estaduais, senadores, ministros, procurador-geral da República, membros do Tribunal de Contas da União, membros do próprio STF, do STJ, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), do Superior Tribunal Militar (STM), governadores, desembargadores dos Tribunais de Justiça, conselheiros dos Tribunais de Contas, magistrados dos Tribunais Regionais Federais, Eleitorais e do Trabalho e prefeitos.
Outros cargos
Alguns estados preveem foro privilegiado para outros cargos. No Paraná, vice-governador, vice-prefeito e vereadores não têm esse direito.
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Dentro do próprio TJ há decisões nos dois sentidos. Em fevereiro deste ano, os desembargadores da 4.ª Câmara Cível afastaram a prerrogativa de foro no julgamento de uma ação de improbidade contra um prefeito.
Mas, com a brecha jurídica aberta pela decisão que favoreceu Cheida, políticos acusados de cometer ato de improbidade podem tentar anular as decisões decorrentes de ação de improbidade. Com essa estratégia, podem arrastar por anos as ações do MP na Justiça – provocando insegurança jurídica. O desfecho desta discussão também pode resultar no trancamento de investigações em todo o país.
O MP do Paraná não tem um levantamento de quantas ações correm o risco de serem declaradas nulas. Entre elas, estariam as ações de improbidade administrativa propostas contra deputados e ex-diretores da Assembleia Legislativa, no caso que ficou conhecido como Diários Secretos. Nesses processos, os promotores requereram judicialmente o bloqueio de mais de R$ 1,2 bilhão em bens dos envolvidos e a devolução de pouco mais de R$ 100 milhões aos cofres públicos.
Este é apenas um exemplo. Há centenas de prefeitos paranaenses acusados de ato de improbidade administrativa. Alguns deles foram condenados pela Justiça de primeiro grau e obrigados a deixar a chefia do Executivo Municipal. Se essas condenações fossem reconsideradas, o prefeito poderia ser até reconduzido ao cargo – outro cenário que traria grande insegurança jurídica a todo o país.
Nos casos de ações de improbidade contra vereadores, essa brecha jurídica não poderia ser questionada, uma vez que a legislação não garante foro privilegiado para vereadores.
Supremo dará a palavra final
Caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) dar a palavra final sobre a prerrogativa de foro para agentes públicos em ações cíveis. A advogada Vivian Lima Lopez Valle, mestre em Direito Público da UFPR e professora de Direito Administrativo e Constitucional da PUCPR, explica que o Supremo vai ter que pacificar essa matéria através de uma súmula vinculante.
Para editar uma súmula, no entanto, é necessário que os ministros adotem um mesmo entendimento em diferentes processos. “Antes disso sempre pode haver a dúvida nos juízos de primeiro grau e nos tribunais regionais”, disse Vivian. Para ela, o STF tende a afastar a prerrogativa de foro. “Entendo que as autoridades políticas não deveriam ter o foro privilegiado, mas, tecnicamente, é possível suscitar essa dúvida da prerrogativa de função alegando vícios formais no processo”, completa.
O presidente da comissão de Direito Constitucional da OAB paulista, Dircêo Torrecillas Ramos, também diz que o STF dará a palavra final. Mas ele tem outro entendimento sobre o assunto. “Minha interpretação sistemática dos dispositivos da Constituição Federal me faz crer que, assim como no Direito Penal, as autoridades também têm prerrogativa de foro em ações de improbidade administrativa”, opinou ele, que também é professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo.
Ações penais
O procurador-geral de Justiça do Paraná, Gilberto Giacoia, é contra a prerrogativa de foro em ações cíveis. “Em matérias penais já é discutível. Há posicionamentos da queda do foro dentro da atual estrutura da Justiça”, disse. Para Giacoia, será um retrocesso para a sociedade se prevalecer o entendimento de que autoridades têm prerrogativa de foro também em ações de improbidade administrativa. “Para o interesse da sociedade, da transparência nas contas públicas e na apuração dos atos de improbidade, essa decisão conspira desfavoravelmente”, diz.
O procurador de Justiça Mário Schirmer, que atuou na investigação e na redação das ações de improbidade no caso envolvendo os Diários Secretos da Assembleia do Paraná, também é contrário à prerrogativa de foro. “Para o combate a corrupção isso é péssimo em todos os pontos porque só beneficia os acusados”, completou.
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